Hoje, nosso país enfrenta desafios climáticos e ambientais que exigem não apenas ações urgentes, mas também uma mudança paradigmática na forma como lidamos com a convivência com a semiaridez.

Estamos vivenciando um cenário de intensificação das transformações globais, impulsionadas por um modelo econômico que prioriza o mercado de commodities e serviços especializados. Esse modelo tem agravado as mudanças climáticas e a crise ecológica, gerando conflitos pelo uso da terra, exclusão social e negligência ambiental. O avanço da desertificação e a crescente pressão sobre os recursos naturais em áreas como o MATOPIBA – que engloba os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – são um reflexo claro de uma realidade que não podemos mais ignorar.

Nesse contexto, a desertificação tornou-se um dos maiores problemas ambientais enfrentados pelo Brasil, especialmente no Semiárido brasileiro, que englobam boa parte do Nordeste e do Norte de Minas Gerais. Esse processo de degradação do solo tem como principais consequências a perda de fertilidade, a escassez de água e o comprometimento da produção agrícola, afetando diretamente a vida das comunidades locais. Este fenômeno não apenas prejudica a natureza, mas também gera consequências sociais e econômicas profundas, agravando a pobreza e a desigualdade social, especialmente nas áreas mais vulneráveis do país.
O processo de desertificação pode ser entendido como um ciclo vicioso, com consequências progressivas e muitas vezes irreversíveis, que se torna mais visível ao longo de várias gerações. Inicialmente, o homem ocupa uma área, derruba a vegetação nativa e utiliza o solo para atividades agrícolas ou pecuárias. Com o uso excessivo e sem cuidados adequados, o solo começa a perder sua fertilidade, ficando exposto ao vento e à água da chuva, que levam embora o material fértil, empobrecendo ainda mais a área.

Sem vegetação para proteger o solo, a erosão começa a ganhar força, levando à perda de recursos hídricos, já que a capacidade de retenção da água do solo diminui. A erosão por sua vez, acaba assoreando rios e açudes, comprometendo ainda mais o abastecimento de água. Com o tempo, a área torna-se cada vez mais árida, e o ciclo de degradação se intensifica. Fontes de água secam, a fertilidade do solo desaparece e a vegetação se torna cada vez mais escassa.
As famílias que dependem da terra para viver, como os agricultores familiares, começam a sofrer com a redução da produção agrícola e a escassez de alimentos, o que gera uma queda na renda familiar. A migração para centros urbanos se torna uma alternativa, mas, ao chegarem às cidades, essas famílias enfrentam novos desafios, como a falta de moradia digna, empregos e acesso à saúde e educação.

Embora o clima e as condições naturais da região tenham papel importante na desertificação, o uso inadequado da terra e a pressão humana são os principais fatores que aceleram o processo. As atividades de agricultura intensiva, pecuária extensiva, e o desmatamento, quando feitas sem práticas sustentáveis, têm efeitos diretos na degradação do solo.
A agricultura industrial e a pecuária, por exemplo, muitas vezes ignoram os ciclos ecológicos naturais, utilizando técnicas que retiram do solo mais recursos do que ele pode repor. O uso excessivo de fertilizantes químicos, o plantio de monoculturas, a falta de rotação de culturas e o uso de técnicas inadequadas de irrigação são algumas das práticas que agravam a degradação do solo. Além disso, a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários e a falta de acesso dos pequenos agricultores a tecnologias sustentáveis contribuem ainda mais para a exploração insustentável dos recursos naturais.
Outros fatores estruturais, como a concentração de renda, biodiversidade e água nas mãos de poucos, e a alta densidade demográfica, também intensificam o agravamento da desertificação. A alta densidade populacional, em especial, sobrecarrega os recursos naturais e leva à degradação mais rápida das terras.

Dados mais recentes do Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação, destacam que nos últimos 20 anos, a área classificada como semiárida no Brasil aumentou de forma alarmante. Entre os períodos de 1971 a 2000 e 1991 a 2020, observamos uma expansão de 160 mil km², representando um aumento de 20,6%. Regiões que antes eram caracterizadas por climas úmidos, como algumas áreas do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, agora enfrentam o clima subúmido seco. A nova zona árida entre Pernambuco e Bahia, com 6 mil km², é um exemplo claro das consequências dessas transformações globais.

Devido a isso, no Brasil atualmente as Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) e entorno compreendem 1.513.987 km², abrangendo 1.649 municípios (18% do território nacional). Esses municípios estão distribuídos por nove estados da região semiárida do Nordeste, além do Norte de Minas Gerais, Espírito Santo e, recentemente, o nordeste do Rio de Janeiro e noroeste do Mato Grosso do Sul. Nessas áreas, o conhecimento sobre os processos de degradação ainda é insuficiente e exige atualizações constantes.

Esses processos de degradação do solo, que avançam rapidamente, estão transformando paisagens, empobrecendo a biodiversidade e enfraquecendo os ecossistemas. A Caatinga, nosso bioma predominante, é uma das áreas mais afetadas, com 23,1% (200 mil km2) de sua extensão em estado de degradação crítica e severa. Na extensão das áreas conhecidas como Suscetíveis à Desertificação tais processos já afetam de forma critica e severa 14,2% do território, com sinais claros de erosão e a diminuição dos teores de carbono, fósforo e nitrogênio nos solos.

A intensificação dos processos de desertificação, combinada com a crescente escassez hídrica e as mudanças no regime de precipitação, está comprometendo a segurança alimentar e a produção agrícola. A seca prolongada e severa, que afeta mais de 27% do território brasileiro desde 1990, exacerba esses problemas. O aumento da temperatura e a variabilidade das chuvas impactam diretamente a produção de alimentos, o abastecimento de água e o equilíbrio dos ecossistemas.

 

Mosaico de imagens: Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD)País enfrenta desafios climáticos e ambientais que exigem ações urgentes (Fotos: Divulgação/INSA)

As regiões Norte e Nordeste estão sendo as mais afetadas, com algumas áreas registrando mais de 54 meses sob essa de seca severa longa, ou seja, mais de 15% do tempo avaliado. Nas Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) e entorno, 90% do território registraram ao menos 18 meses de seca severa, enquanto 50% dessas áreas passaram mais de 36 meses nessa situação crítica. Essas condições afetaram diretamente a agropecuária nacional, reduzindo a disponibilidade de água no solo e o nível de rios e reservatórios usados para irrigação e abastecimento humano. Como consequência, tem ocorrido uma diminuição na produção agrícola, elevação dos preços dos alimentos e agravamento da insegurança alimentar, com as populações mais vulneráveis sendo as mais impactadas.

No entanto, não podemos nos deixar levar pela desesperança. O Semiárido tem grande potencial para se transformar em um exemplo de convivência com a semiaridez, promovendo práticas agrícolas sustentáveis e regenerativas, ao mesmo tempo em que protege sua biodiversidade. A transição para energias renováveis, como a energia eólica e solar, que já representam uma parte significativa da matriz energética brasileira, deve ser acompanhada por uma gestão que respeite os ecossistemas locais e os direitos das populações afetadas. A democratização do acesso à terra, a regularização fundiária e a garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas e indígenas são questões fundamentais para o avanço de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.

O INSA tem a necessidade pertinente de unir a ciência, a tecnologia e a inovação com as necessidades e as realidades locais. A convivência com o Semiárido, a preservação da Caatinga e o combate à desertificação exigem uma abordagem integrada que contemple as potencialidades da região e promova soluções adequadas às suas características ambientais e sociais.

Portanto, este é um momento da Ciência em Ação. É o momento de fazermos do Instituto Nacional do Semiárido um centro da produção de soluções que contribuam para reverter o quadro atual de degradação e promover a sustentabilidade na nossa região. Ao lado de nossos parceiros, instituições científicas e comunidades locais, vamos trilhar o caminho para garantir um futuro próspero para o Semiárido brasileiro.

Esse caminho envolve uma mudança de paradigma, especialmente em relação ao modelo de desenvolvimento econômico atual. O sistema de consumo desenfreado e o modelo econômico linear de produção e exploração dos recursos naturais são incompatíveis com a ideia de desenvolvimento sustentável. Para combater a desertificação, é necessário adotar uma visão holística, que priorize a conservação ambiental e a justiça social.

Precisamos substituir a lógica de "viver melhor" – que assume um crescimento ilimitado e a exploração desenfreada dos recursos naturais – pelo conceito de "bem viver". Conceito baseado em suficiência, equilíbrio e harmonia com o meio ambiente, e propõe um modelo de desenvolvimento mais sustentável, que respeite os limites naturais do planeta.

 

Colaborador: Aldrin M. Perez-Marin - Observatório da Caatinga e Desertificação INSA/UFCG
Fonte:Instituto Nacional do Semiárido - INSA